Vítima como você? É uma em um milhão.
08:15 da noite. Um calor infernal. Alguns minutos atrás vi dezenas de baratas andando pelo drive-tru do Macdonald`s. Elas adoram calor. Baratas são maus presságios.
Parada no farol em busca de uma lan house, vidro semi-aberto. Um puta calor. Quando olho pro lado vejo um moreno alto se aproximando. Muito tarde. Já era.
----- Pula pro banco de trás agora!
Mexeu na calça como se tivesse armado. Não pensei duas vezes. Na sequência entrou um atrás, ao meu lado e outro na frente, no banco do motorista. Todos bem morenos, mulato escuro. O motorista perguntou?
----- Como eu faço pra ir pra Marginal, senhora?
Hummm, gostei do senhora, pensei eu.
----- Pérai pérai, onde a gente tá? Não sei, não sei mais nada, não consigo pensar em caminho agora!
Algumas manobras e estávamos passando em frente a Rede Globo.
----- Agora eu sei, vira à direita no fim da rua.
----- Fica tranquila moça, a gente só vai te levar no caixa eletrônico.
Aquele bafo quente. Os vidros fechados. Um forte cheiro de suor exalava dos assaltantes. Não senti cheiro de bebida, fiquei aliviada!
----- A gente não é nóia não, só quer dinheiro!
Meu cérebro estava a milhão literalmente, milhões de coisas passavam pela minha cabeça, mas minha esperteza e meu sangue frio falavam mais alto e eu procurava pensar, "vou facilitar ao máximo para eles me liberarem. Logo veio a pergunta: Qual a senha? Era minha brecha pra tentar uma aproximação, falei a senha e fiz questão de explicar os detalhes para optimizar a execução do roubo.
----- Olha, eles vão perguntar isso, isso e isso, responde direitinho. Quer que eu anote?
Pensava "tudo pode acontecer, sequestro, estupro, sua vida vale muito mais do que isso, mantenha a calma e a serenidade para lidar com a situação.
A luta de classes está em todos os lados, todas as esquinas, no globo terrestre, mas quando ela invade seu carro e fica dando rolê contigo, torna-se mais clara do que nunca. Você a sente na pele, nas vísceras. É o medo eminente e real que sentem os mais abastados daquela parcela da população louca o suficiente para dar vazão a seus impulsos, utilizando a violência como meio de expressão e revolta. E lá estava eu, lado a lado com essa esfera da população, sentindo de perto o cheiro da adrenalina exalado pelo forte odor de suor daqueles homens. Lá estávamos nós, feitos da mesma matéria, porém com histórias de vida e classes sociais totalmente distintas. Somos todos brasileiros.
Utilizando-se da violência , os ladrões tornaram-se mais respeitados que nunca pela minha pessoa. Jamais quis tanto entender e respeitar alguém, afinal, eles não têm nada a perder e nossa ínfima existência material pode esvair-se em questão de segundos.
Com o passar do tempo fui ganhando intimidade, uma vez que nós já estávamos rodando há uma hora, o tal do caixa eletrônico ficava na Giovanni Gronch, perto do Campo Limpo, eles moravam por lá... dois deles já estavam no papo, viram que eu estava bem calma e não era preconceituosa, mas o motorista tava mais nervoso e não pra muitos amigos.
Enquanto um tentava sacar a grana do caixa, os outros dois iam dar rolê comigo nas quebradas da periferia. O problema é que eles não conseguiram sacar a grana, cá prá nós, problema recorrente nesse tipo de assalto, eles sabem abordar, dirigir, mas não conseguem sacar a grana.
Enquanto o nervoso saiu pra atender o outro bandido no celular, de última geração aliás, obviamente roubado, aproveitei para puxar assunto com o do banco de trás!
---- Vocês não têm medo de ir pra cadeia, não?
O subtexto tilintava em meu cérebro, ficava tentando me colocar no lugar deles... uma grana aqui, outra lá... mais dia menos dia é cana na certa! Tamanho desamor a vida me é inconcebível, que mentes interessantes, curiosas, algo mais deve levá-los a isso... imagine todo este ímpeto e valentia se direcionados para algo bom? Enfim, a resposta dele foi:
----- A gente não estudou, a gente não fez nada. O jeito é isso agora...
O motorista voltou revoltado com o colega, ele ia tentar dessa vez! Voltamos ao local do caixa. Troca de motorista. Volta pra quebrada, dessa vez em frente ao escadão, passa um tempo e nada... o espertalhão também não conseguiu tirar a grana.
Pra mim já era óbvio, eu mesma teria que sacar! O assaltante do banco de trás estava perplexo com minha calma. ----- Vítima como você... é uma em um milhão! Aquilo encheu meu ego e me senti a própria Gandhi, mas confesso que por um momento dei graças a Deus de não estar armada, pois certamente meu instinto defensivo promoveria um bang bang. Perguntei se ele estava armado e pedi para ver a arma, ele fingiu que ia me mostrar, mas desistiu.
Constatado que eles não iriam conseguir sacar a grana, aderiram ao plano C! Lá fui
eu, acompanhada de um dos assaltantes, de mãos dadas, simulando ser um casal, tirar a grana! Bingo, deu certo! Ele queria mais! Ufá, ainda bem que o banco não autoriza. Andamos mais um pouco, ele devolveu minha chave e pediu um beijo de tchau. Obviamente eu não dei, eles foram embora e lá estava eu, sã e salva.
Entrei no carro, minha máscara desabou, fiquei alguns minutos catártica e voltei pra casa, chorando, aos prantos, com há muito tempo não fazia, e pensava... Como construir um mundo melhor?
Parada no farol em busca de uma lan house, vidro semi-aberto. Um puta calor. Quando olho pro lado vejo um moreno alto se aproximando. Muito tarde. Já era.
----- Pula pro banco de trás agora!
Mexeu na calça como se tivesse armado. Não pensei duas vezes. Na sequência entrou um atrás, ao meu lado e outro na frente, no banco do motorista. Todos bem morenos, mulato escuro. O motorista perguntou?
----- Como eu faço pra ir pra Marginal, senhora?
Hummm, gostei do senhora, pensei eu.
----- Pérai pérai, onde a gente tá? Não sei, não sei mais nada, não consigo pensar em caminho agora!
Algumas manobras e estávamos passando em frente a Rede Globo.
----- Agora eu sei, vira à direita no fim da rua.
----- Fica tranquila moça, a gente só vai te levar no caixa eletrônico.
Aquele bafo quente. Os vidros fechados. Um forte cheiro de suor exalava dos assaltantes. Não senti cheiro de bebida, fiquei aliviada!
----- A gente não é nóia não, só quer dinheiro!
Meu cérebro estava a milhão literalmente, milhões de coisas passavam pela minha cabeça, mas minha esperteza e meu sangue frio falavam mais alto e eu procurava pensar, "vou facilitar ao máximo para eles me liberarem. Logo veio a pergunta: Qual a senha? Era minha brecha pra tentar uma aproximação, falei a senha e fiz questão de explicar os detalhes para optimizar a execução do roubo.
----- Olha, eles vão perguntar isso, isso e isso, responde direitinho. Quer que eu anote?
Pensava "tudo pode acontecer, sequestro, estupro, sua vida vale muito mais do que isso, mantenha a calma e a serenidade para lidar com a situação.
A luta de classes está em todos os lados, todas as esquinas, no globo terrestre, mas quando ela invade seu carro e fica dando rolê contigo, torna-se mais clara do que nunca. Você a sente na pele, nas vísceras. É o medo eminente e real que sentem os mais abastados daquela parcela da população louca o suficiente para dar vazão a seus impulsos, utilizando a violência como meio de expressão e revolta. E lá estava eu, lado a lado com essa esfera da população, sentindo de perto o cheiro da adrenalina exalado pelo forte odor de suor daqueles homens. Lá estávamos nós, feitos da mesma matéria, porém com histórias de vida e classes sociais totalmente distintas. Somos todos brasileiros.
Utilizando-se da violência , os ladrões tornaram-se mais respeitados que nunca pela minha pessoa. Jamais quis tanto entender e respeitar alguém, afinal, eles não têm nada a perder e nossa ínfima existência material pode esvair-se em questão de segundos.
Com o passar do tempo fui ganhando intimidade, uma vez que nós já estávamos rodando há uma hora, o tal do caixa eletrônico ficava na Giovanni Gronch, perto do Campo Limpo, eles moravam por lá... dois deles já estavam no papo, viram que eu estava bem calma e não era preconceituosa, mas o motorista tava mais nervoso e não pra muitos amigos.
Enquanto um tentava sacar a grana do caixa, os outros dois iam dar rolê comigo nas quebradas da periferia. O problema é que eles não conseguiram sacar a grana, cá prá nós, problema recorrente nesse tipo de assalto, eles sabem abordar, dirigir, mas não conseguem sacar a grana.
Enquanto o nervoso saiu pra atender o outro bandido no celular, de última geração aliás, obviamente roubado, aproveitei para puxar assunto com o do banco de trás!
---- Vocês não têm medo de ir pra cadeia, não?
O subtexto tilintava em meu cérebro, ficava tentando me colocar no lugar deles... uma grana aqui, outra lá... mais dia menos dia é cana na certa! Tamanho desamor a vida me é inconcebível, que mentes interessantes, curiosas, algo mais deve levá-los a isso... imagine todo este ímpeto e valentia se direcionados para algo bom? Enfim, a resposta dele foi:
----- A gente não estudou, a gente não fez nada. O jeito é isso agora...
O motorista voltou revoltado com o colega, ele ia tentar dessa vez! Voltamos ao local do caixa. Troca de motorista. Volta pra quebrada, dessa vez em frente ao escadão, passa um tempo e nada... o espertalhão também não conseguiu tirar a grana.
Pra mim já era óbvio, eu mesma teria que sacar! O assaltante do banco de trás estava perplexo com minha calma. ----- Vítima como você... é uma em um milhão! Aquilo encheu meu ego e me senti a própria Gandhi, mas confesso que por um momento dei graças a Deus de não estar armada, pois certamente meu instinto defensivo promoveria um bang bang. Perguntei se ele estava armado e pedi para ver a arma, ele fingiu que ia me mostrar, mas desistiu.
Constatado que eles não iriam conseguir sacar a grana, aderiram ao plano C! Lá fui
eu, acompanhada de um dos assaltantes, de mãos dadas, simulando ser um casal, tirar a grana! Bingo, deu certo! Ele queria mais! Ufá, ainda bem que o banco não autoriza. Andamos mais um pouco, ele devolveu minha chave e pediu um beijo de tchau. Obviamente eu não dei, eles foram embora e lá estava eu, sã e salva.
Entrei no carro, minha máscara desabou, fiquei alguns minutos catártica e voltei pra casa, chorando, aos prantos, com há muito tempo não fazia, e pensava... Como construir um mundo melhor?